
Na mitologia védica Nārāyaṇa é o aspecto supremo de Viṣṇu, repousando no oceano de águas cósmicas sobre a serpente Ananta Śeṣa. Essa cena arquetípica simboliza o equilíbrio, a plenitude e o estado anterior à criação.
Esse repouso não é um sono comum, mas o sono do yoga (yoganidrā): um estado em que a consciência permanece desperta enquanto o universo inteiro descansa em equilíbrio.
Neste artigo, vamos explorar a figura de Nārāyaṇa, sua ligação com o yoganidrā e o significado do mantra OM NAMO NĀRĀYAṆĀYA.

Quem é Nārāyaṇa?
Nārāyaṇa é um dos nomes mais antigos de Viṣṇu, o preservador da Trimūrti (Brahmā, Viṣṇu e Śiva).
Etimologia:
Nara significa tanto seres vivos quanto águas cósmicas.
Ayana significa morada, refúgio, meta.
Assim, Nārāyaṇa pode ser traduzido como:
“O refúgio de todos os seres”
“Aquele que repousa nas águas cósmicas”
Mitologia:
A iconografia clássica descreve Nārāyaṇa reclinado sobre a serpente cósmica Ananta Śeṣa, flutuando sobre o oceano causal (kṣīra-sāgara, o oceano de leite).
De seu umbigo nasce um lótus, no qual se manifesta Brahmā, o criador do universo.
Lakṣmī, sua consorte, repousa em seu peito, simbolizando a abundância que sustenta a vida.
Essa imagem simboliza o estado potencial da criação: tudo ainda repousa em semente, sustentado pela consciência suprema.

O sono cósmico de Nārāyaṇa
O estado em que Nārāyaṇa repousa sobre o oceano é chamado de Yoganidrā.
Não é inconsciência, mas o sono consciente.
Nele, o universo inteiro é sustentado em equilíbrio, enquanto a energia criativa permanece em repouso.
É o estado de potencial absoluto, em que nada precisa ser feito, porque tudo já está contido no Ser.
Assim, a postura de Nārāyaṇa não é de inatividade, mas de presença suprema: no repouso, ele sustenta, equilibra e dá origem ao fluxo da vida.
Yoga Nidra o sono do Yoga
Essa mitologia se reflete diretamente em uma das práticas mais transformadoras do Yoga: Yoganidrā
Sobre a escrita do termo
No ocidente, a prática é amplamente conhecida como Yoga Nidra, e esse é também o termo mais comum em livros, vídeos e pesquisas na internet.
No entanto, a forma correta em sânscrito transliterado (IAST) é Yoganidrā (योगनिद्रा), com o “ā” longo no final, que significa literalmente sono do yoga.
Opto por utilizar a forma Yoga Nidra neste artigo por ser a mais reconhecida e acessível, mas mantenho a consciência da grafia tradicional, que é importante em contextos acadêmicos e estudos mais técnicos.
O que é Yoga Nidra?
Yoga Nidra significa literalmente “sono do yoga”.
É uma técnica de relaxamento profundo em que o corpo repousa como se estivesse dormindo, mas a consciência permanece desperta.
É praticada deitado em Śavāsana, a postura do cadáver, com condução verbal que leva o praticante a um estado entre vigília e sono.
A mente percorre as camadas do ser (pañca-kośas) — corpo físico, energia vital, mente, sabedoria e bem-aventurança.
Ao atravessar essas “camadas”, chegamos ao núcleo de pura consciência: o mesmo estado de repouso supremo simbolizado por Nārāyaṇa.
Benefícios do Yoga Nidra
Relaxamento profundo e restauração energética.
Redução do estresse, ansiedade e insônia.
Liberação de tensões físicas e emocionais.
Acesso a níveis sutis de consciência.
Experiência de equilíbrio e plenitude interior.
Assim como Nārāyaṇa repousa desperto no oceano cósmico, o praticante de Yoga Nidra repousa no corpo, mas permanece desperto no Ser.
Śavāsana: a postura do cadáver
A prática de Yoga Nidra é tradicionalmente realizada em Śavāsana, conhecida como a
postura do cadáver.
Em sânscrito, Śava significa “cadáver” e āsana significa “postura”.
A pronúncia correta é Shavásana (o “Ś” tem som de “ch” suave, como em “chave”).
Significado simbólico: ao assumir a postura do cadáver, deixamos para trás as identificações do corpo e da mente, permitindo que a consciência repouse em si mesma. É como se “morresse” momentaneamente o eu condicionado, para que o Ser essencial se revele. Deitar-se imóvel, com o corpo entregue ao chão, simboliza a rendição completa do ego e a aceitação da impermanência.
Benefícios físicos: relaxa todo o corpo, libera tensões musculares, regula a respiração e estabiliza o sistema nervoso.
Dimensão espiritual: Śavāsana não é apenas descanso físico, mas um convite à entrega, à transcendência e ao repouso profundo que conecta a consciência ao estado de plenitude.
Assim como Nārāyaṇa repousa desperto sobre o oceano cósmico, em Śavāsana o praticante repousa desperto sobre o chão da Terra, sustentado pela vida, em silêncio e presença.

O mantra de Nārāyaṇa
O mantra associado a Nārāyaṇa é om namo nārāyaṇāya, considerado um dos mais antigos e sagrados da tradição vaiṣṇava — a corrente devocional dedicada a Viṣṇu, o mantenedor do universo.
Esse mantra é repetido há milênios como expressão de entrega ao Todo. Ao entoá-lo, o praticante reverencia Nārāyaṇa, reconhecendo-o como aquele que repousa nas águas cósmicas e, ao mesmo tempo, como o refúgio de todos os seres, sustentador da vida e da ordem universal (dharma).
Transliteração
OM NAMO NĀRĀYAṆĀYA
(ॐ नमो नारायणाय)
Significado
OM – o som primordial, a totalidade do ser.
NAMO – saudação, reverência, entrega.
NĀRĀYAṆĀYA – a Nārāyaṇa, aquele que repousa nas águas cósmicas, o refúgio de todos os seres.
Tradução: “Reverencio Nārāyaṇa, aquele que repousa nas águas cósmicas, refúgio supremo e sustentador da vida.”
O médico e escritor Deepak Chopra, em seu livro Meditação Plena, traduz este mantra como “Invoco o equilíbrio e a plenitude”.
Essa interpretação amplia o sentido do nome Nārāyaṇa, trazendo-o para uma linguagem mais universal, em que Nārāyaṇa é compreendido como a própria expressão do Todo. E o Todo, em sua essência, é justamente equilíbrio e plenitude.
Propósito do mantra
Invocar equilíbrio e plenitude interior.
Dissolver tensões físicas, mentais e emocionais.
Reconectar-se ao oceano infinito da consciência.
Recordar que somos sustentados pelo divino em cada momento.
Como praticar
Japa: repetir mentalmente, sussurrando ou em voz alta em ciclos de 27, 54 ou 108 vezes.
Respiração: inspirar em “OM”, expirar em “NAMO NĀRĀYAṆĀYA”.
Sem pausa, a ação gera desequilíbrio; sem ação, o descanso perde sentido.
A imagem de Nārāya ṇa deitado nas águas cósmicas nos lembra que equilíbrio é dança entre movimento e silêncio.
É no repouso que a vida se renova.
É na ação que ela floresce.
Assim como o universo repousa no sono cósmico de Nārāyaṇa antes da criação, também nós podemos encontrar em nosso interior o mesmo oceano de plenitude.
Hariḥ Oṁ
Paty Abreu ॐ












