

A simbologia de Gaṇeśa é um verdadeiro estudo simbólico sobre o caminho do autoconhecimento Tudo em sua forma aponta para aspectos fundamentais da nossa jornada interior.
Gaṇeśa tem orelhas enormes, como quem nasceu para escutar. E é assim mesmo: o primeiro passo no caminho do autoconhecimento é śravaṇam, a escuta do ensinamento. Escutar profundamente, como quem não está buscando confirmar ideias, mas permitir que algo maior se revele por si.
Sua cabeça larga e arredondada nos lembra do segundo passo, mananam — a reflexão. A mente precisa de espaço para digerir, para questionar, para integrar o que foi escutado. A cabeça do elefante não é um adorno exótico, é uma metáfora para a mente contemplativa, que se abre para enxergar além da aparência das coisas.
A tromba é uma joia simbólica: flexível, sensível, forte. Ela consegue recolher um pequeno grão ou arrancar uma árvore. Isso representa o poder de viveka, a discriminação — a capacidade de perceber o essencial em meio ao disperso, de distinguir o Ser da não-essência, o que é real do que é transitório.
Gaṇeśa tem uma presa inteira e outra quebrada. Isso nos lembra que a vida é feita de contrastes, de pares de opostos — sucesso e fracasso, ganho e perda, prazer e dor. Mas o sábio não vive prisioneiro dessas polaridades. A presa quebrada é o símbolo de quem rompeu com a dualidade e permanece centrado na verdade que não oscila.
Na mão de Gaṇeśa há um machado. Ele corta aquilo que nos prende: apegos, medos, compulsões. Ele simboliza vairāgya, o desapego — não no sentido de negação da vida, mas como liberdade interior. O que não é essencial, o machado corta. E na outra mão, há uma corda, ou laço, que também lida com os obstáculos: amarra, traz para perto, conduz. Essa corda pode ser vista como bhakti, a devoção, que nos puxa de volta para o nosso centro, para a presença de Īśvara — que no Vedānta é compreendido como a totalidade, o próprio Ser.
Gaṇeśa tem uma grande barriga. E não é por gula, mas por digestão. Ele representa aquele que acolheu e digeriu o universo todo. Assim como o sábio: tudo o que chega é digerido com equanimidade — emoções, eventos, encontros. Ele engole o mundo e permanece em paz.
Os quatro braços de Gaṇeśa representam os quatro antahkaraṇas, os instrumentos internos da mente: o ego (ahaṅkāra), a memória (citta), o pensamento (manas) e a inteligência (buddhi). É com esses instrumentos que vivemos, e é através deles que reconhecemos o Ser. Quando purificados, tornam-se veículos do conhecimento.
O ratinho que o acompanha é uma peça essencial nesse teatro simbólico. O rato é pequeno, inquieto, e sempre em busca — representa os desejos. É voraz, entra por qualquer brecha. Mas ao estar aos pés de Gaṇeśa, o desejo está sob comando. O sábio não nega o desejo, ele o compreende, o domestica. Não é o desejo que conduz o sábio — é o sábio que conduz o desejo.
Dizem que os elefantes têm medo de ratos. Mas Gaṇeśa cavalga sobre ele. Isso nos ensina que, mesmo aquilo que pode nos controlar quando inconsciente, torna-se veículo quando está sob clareza.
Gaṇeśa é aquele que se reconhece para além do corpo, da mente, dos papéis. Aquele que vive no mundo com um pé no chão — atuando, relacionando, servindo — e o outro no ar, ancorado no Ser, que é livre, pleno e imutável.
E, por fim, o doce que ele segura (o modaka) é o sabor do caminho. O autoconhecimento não é amargo, nem um fardo. É um caminho doce. Quanto mais se prova, mais se deseja — mas esse desejo não é inquietude: é gratidão! Porque é um caminho de volta para si.
Hariḥ Oṁ