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Tipos de Yoga: Tradição, Filosofia e Estilos Modernos (Parte I)

Quais são os tipos de Yoga?


A cada ano novas modalidades de Yoga surgem e ganham diferentes nomes, o que pode gerar confusão para quem está começando. Entre estilos tradicionais, interpretações modernas e abordagens que misturam influências, é comum não saber exatamente qual prática escolher ou de onde vêm tantas variações.


Neste artigo — dividido em duas partes — você vai conhecer a Roda do Yoga segundo a tradição, compreendendo como surgiram as principais formas clássicas e, na continuação (Parte II), as modalidades modernas que se desenvolveram a partir delas. A intenção é trazer clareza sobre as raízes do Yoga e sobre a diversidade de caminhos que brotaram dessa mesma fonte.


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Yoga Tradicional

“Em sua mais antiga forma conhecida, o Yoga parece ter sido a prática da introspecção disciplinada ou da concentração meditativa, associada aos rituais de sacrifício. É sob essa forma que o Yoga se apresenta nos quatro Vedas, os primeiros e mais precisos textos sagrados do Hinduísmo.”— Georg Feuerstein

Se considerarmos os primeiros registros da palavra Yoga nos Vedas, podemos afirmar que essa tradição tem mais de cinco mil anos. Ao longo desse vasto período, seu sentido essencial — a união, o recolhimento, o caminho de retorno à nossa natureza verdadeira — permaneceu, mas suas formas de expressão mudaram profundamente.


O Yoga atravessou épocas, culturas, mestres e visões diferentes, e foi sendo reinterpretado de acordo com o contexto de cada geração.


Transmitido de mestre a discípulo de forma oral — paramparā, em sânscrito — o Yoga passou por inúmeras transformações. Parte do conhecimento se perdeu, parte foi ampliada ou reorganizada. Por isso, o Yoga não é um sistema único e homogêneo. Suas doutrinas e métodos variam de escola para escola, e em alguns casos as diferenças são tão grandes que duas tradições podem quase não apresentar pontos em comum.

“Quando falamos do Yoga, estamos falando de uma multiplicidade de caminhos e tendências dotadas de estruturas teóricas contrastantes e às vezes até metas divergentes — embora todos sejam meios de libertação.”— Georg Feuerstein

Do ponto de vista histórico, o escritor Georg Feuerstein apresenta, em A Tradição do Yoga, oito grandes formas de Yoga organizadas como uma roda de muitos raios. Cada raio representa uma escola ou movimento; o aro externo simboliza as exigências éticas compartilhadas por todos os caminhos; o aro interno representa a experiência de êxtase, na qual o praticante transcende sua consciência limitada e a própria existência cósmica.

“Todas as formas autênticas de Yoga são caminhos que levam a um único centro: a realidade transcendente, que pode ser definida de modos diferentes pelas escolas.”— Georg Feuerstein

Assim, o Yoga (योग) é, antes de tudo, uma filosofia prática de libertação — um caminho que conduz o indivíduo ao reconhecimento da sua natureza essencial.


A Roda do Yoga | Vários Caminhos para a Iluminação


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1. Rāja Yoga


A palavra rāja significa “real”, “soberano”, e essa expressão marca bem a importância desse caminho. O Rāja Yoga é considerado uma das mais significativas escolas dentro da tradição e permanece viva até hoje. Trata-se do sistema clássico codificado por Patañjali, o grande organizador dos ensinamentos do Yoga antigo.


Pedro Kupfer, em sua tradução da Haṭhayoga Pradīpikā, explica:

“Patañjali, ‘aquele que caiu durante a saudação’, é o nome do codificador do Yoga Clássico, o Aṣṭāṅga Yoga, e autor do Yogasūtra. Todas as formas de Yoga que se praticam hoje em dia têm neste autor e sua obra uma referência obrigatória, inclusive a Haṭhayoga Pradīpikā. O Yogasūtra consta de apenas 196 aforismos que constituem um verdadeiro mapa do psiquismo humano, que revela o ser humano como alguém intrinsecamente livre e feliz. Os sūtras contêm ainda instruções muito valiosas para desenvolver o potencial humano e facilitar o convívio social e ambiental.”

A palavra sânscrita aṣṭāṅga vem de aṣṭau (oito) e aṅga (partes). Assim, Aṣṭāṅga Yoga significa “o Yoga em oito membros”: os oito membros que conduzem o praticante à iluminação — ou, dito de forma simples, ao conhecimento verdadeiro de si mesmo e da realidade.


Esses oito membros funcionam como ramos de uma mesma árvore, naturalmente ligados e interdependentes. São a base do Yoga tradicional. Por meio do estudo e da prática desses passos, aprendemos sobre nós mesmos, desenvolvemos discernimento, refinamos a mente, amadurecemos emocionalmente e cultivamos uma forma mais consciente de viver.


Quando esses membros são incorporados de maneira sincera, eles ajudam a superar os obstáculos do caminho, conduzem ao autoconhecimento e abrem espaço para o despertar espiritual.


Assim, o Aṣṭāṅga Yoga é um método completo que conduz o praticante ao objetivo final do Yoga: mokṣa, a libertação.


2. Karma Yoga


O Karma Yoga é o caminho da liberdade na ação. A palavra karma, aqui, não significa apenas “ação”, mas uma qualidade específica de ação, uma ação realizada com a atitude interior correta. Agir por agir não é Karma Yoga — o que transforma a ação em Yoga é a disposição interna com que ela é realizada.


Muitas vezes, o Karma Yoga é simplificado como “agir sem expectativas” ou “agir de forma desinteressada”. Swami Dayananda, porém, esclarece que não é possível agir sem esperar algum resultado; negar isso seria negar a própria natureza humana. O que o ensinamento propõe não é suprimir expectativas, mas compreender que:

“Inação na ação” não significa deixar de esperar resultados, e sim reconhecer que não temos controle sobre eles — e aceitar isso em santoṣa (contentamento). Agir sem apego ao resultado, agir com desapego: isso é Karma Yoga.”— ensina Pedro Kupfer

Ele acrescenta:

“Karma Yoga não é fazer karma, ação; não é simplesmente agir, trabalhar, manter o jardim limpo, ajudar na cozinha ou no escritório. A questão não é fazer isto ou aquilo. A verdadeira escolha é entre Karma Yoga e Sannyāsa — não entre agir e não agir. Esses dois caminhos existem como vias para mokṣa. Mokṣa é autoconhecimento: a libertação da necessidade de querer ser algo diferente. Não é uma luta para conquistar algo, mas a libertação da luta para se tornar algo.”— Pedro Kupfer

Assim, Karma Yoga é o treinamento da mente que aprende a agir com responsabilidade e entrega, oferecendo a ação e aceitando o resultado como ele vier. É um caminho profundo de integração, maturidade e liberdade interior.


3. Saṃnyāsa Yoga


O Saṃnyāsa Yoga é o caminho da renúncia, ou da vida ascética dedicada inteiramente à busca espiritual. Trata-se de uma disposição radical: abrir mão de todos os papéis sociais e responsabilidades mundanas para viver exclusivamente em função do conhecimento de si mesmo — brahmavidyā.

“O conhecimento é o caminho, e para tanto existem Saṃnyāsa ou Karma Yoga. Saṃnyāsa não tem obrigações além da ahiṃsā, a não-violência, porque tudo é abandonado em prol de uma vida de busca do conhecimento, brahmavidyā. Na vida de Karma Yoga, os deveres que são abandonados pelo saṃnyāsī mantêm-se. É uma vida de conciliação desses deveres com a busca de conhecimento.”— Pedro Kupfer

Assim, enquanto o Karma Yoga é praticado na ação, conciliando responsabilidades com o caminho espiritual, o Saṃnyāsa Yoga é praticado na renúncia à ação, abrindo espaço total para o estudo, a contemplação e a realização do Ser.


Ambos os caminhos — o da ação consciente e o da renúncia — conduzem ao mesmo objetivo.


4. Mantra Yoga


O Mantra Yoga é o caminho que utiliza o som como instrumento de transformação e transcendência. Mantra significa “aquilo que protege a mente” (manas – mente; trā – proteger, libertar). São sons de poder, vibrações que servem como suporte para concentração, contemplação e despertar interior.


Segundo a tradição conhecida como mantra-vidyā ou mantra-śāstra — a ciência dos sons sagrados — todo o universo existe em um estado de vibração. Assim, o som não é apenas um fenômeno físico, mas uma expressão do próprio tecido da realidade. Nessa visão, sons repetitivos, entoados com intenção e presença, têm a capacidade de afetar profundamente a consciência.


O mantra atua como um ponto de foco que ancora a mente, reorganiza sua energia e a conduz ao estado meditativo. Por isso, no Mantra Yoga o som é um veículo de transcendência.

“O mantra é um veículo meditativo de transformação do corpo e da mente humanos, e supõe-se que tenha um poder mágico.”— Ernest Wood

A prática pode envolver recitação vocal (vācika), repetição sussurrada (upāṃśu) ou recitação mental (mānasa). Em todas elas, o mantra atua como ponte entre o visível e o invisível, entre o mundo externo e o silêncio interior.


5. Haṭha Yoga


O Haṭha Yoga — frequentemente associado ao vigor e ao trabalho corporal — é um produto da época medieval. Como explica Georg Feuerstein, essa vertente do Yoga:

“gira especialmente em torno do desenvolvimento do potencial do corpo, para que este seja capaz de suportar a força e o peso da realização transcendente.”— Georg Feuerstein

Na essência, o Haṭha Yoga é a busca pelo equilíbrio das nossas energias internas. A interpretação física moderna é apenas uma pequena parte desse sistema, que originalmente emerge das tradições tântricas.


A primeira descrição detalhada do termo Haṭha remonta ao século XV, atribuída ao sábio Gorakṣa, ligada ao sentido secreto da palavra:

“A letra ha se refere ao sūrya (sol) e a letra ṭha indica candra (lua). Quando candra e sūrya estão em equilíbrio, isso é chamado de Haṭha Yoga.”

O equilíbrio entre sol e lua simboliza o equilíbrio entre força e suavidade, energia e receptividade, ação e contemplação — a estrutura interna sobre a qual o Haṭha se sustenta.


A professora Flávia Venturoli Miranda, no artigo Origens do Haṭha Yoga, explica que a energia dinâmica Śakti, aliada à consciência estática Śiva, representa a unidade buscada pelas práticas tântricas:

“Para isso, o tantra não exclui nenhuma possibilidade (nem sacra nem profana) para essa realização, pois não há o profano — apenas o sagrado.”

O professor Pedro Kupfer complementa situando o surgimento do Haṭha no contexto do Tantra medieval:

“O período em que o Haṭha surgiu coincide com um momento muito especial da história, em que os adeptos do Tantra apresentaram a uma Índia pasmada e acomodada no ritualismo bramânico uma visão revolucionária e dinâmica do universo e do homem.Para os tântricos, o corpo não é mais a causa do sofrimento ou da perdição, mas um veículo para a transcendência e a realização da natureza divina no homem.”— Pedro Kupfer

O Kulārṇava Tantra (I.18) reforça essa visão sagrada do corpo:

“Sem o corpo, como realizar o supremo objetivo?Depois de adquirir uma morada corpórea, a pessoa deve realizar ações meritórias (pūṇyam).”

A característica singular do Haṭha Yoga é sua ênfase na libertação através do treinamento do corpo-mente, visando despertar o potencial interior simbolizado pela kuṇḍalinī.


É um caminho tântrico em que o corpo não é negado, mas honrado como instrumento essencial da realização espiritual.


Assim, concluímos que o Haṭha Yoga é um método que utiliza o corpo como veículo para a iluminação. Não buscamos experiências extraordinárias, mas também não as rejeitamos: tudo pode servir ao crescimento interior, porque o corpo é sagrado — e sem ele não haveria possibilidade de iluminação.


6. Kriyā Yoga


A palavra kriyā vem da raiz sânscrita kṛ, que significa “agir”, “fazer”. Em sentido amplo, Kriyā Yoga é o Yoga da ação. Georg Feuerstein traduz essa expressão como “Yoga da ação ritual”, destacando a dimensão de prática, de algo que deve ser feito concretamente, quase como um rito interior orientado à transformação da consciência.


Nos Yogasūtra de Patañjali, o termo Kriyā Yoga aparece de forma bem específica. No aforismo II.1, ele define Kriyā Yoga como um caminho baseado em três pilares:


  • tapas – disciplina, esforço consciente, “aquecimento” que purifica;

  • svādhyāya – autoestudo, estudo de si e das escrituras;

  • īśvara-praṇidhāna – entrega ao sagrado, confiança e devoção.


Essas três atitudes formam um método de prática que “queima” condicionamentos, refina a mente e prepara o campo interno para o autoconhecimento. Em outras palavras, Kriyā Yoga é o Yoga da ação consciente, em que cada gesto, escolha e disciplina diária é integrada ao caminho espiritual.


Em tempos mais recentes, o nome Kriyā Yoga também passou a designar um sistema específico de meditação e prāṇāyāma ensinado por Lahiri Mahasaya e popularizado no Ocidente por Paramahansa Yogananda, com técnicas de respiração, mantra e concentração destinadas a acelerar o desenvolvimento espiritual.


No contexto desta “roda do Yoga” que estamos explorando, porém, Kriyā Yoga aponta principalmente para essa dimensão: ação como prática espiritual, disciplina, estudo e entrega caminhando juntos como um rito vivo de transformação interior.


7. Bhakti Yoga


O Bhakti Yoga é o caminho do amor e da devoção — o poder transcendente do coração. Nesse método, a força emocional do ser humano é purificada, refinada e direcionada ao Divino.

“Em sua disciplina de autotranscendência extática, os bhaktas tendem a ser mais expressivos do que o típico jñānin ou rāja-yogin. Os adeptos do Bhakti Yoga não se envergonham, por exemplo, de derramar lágrimas de desejo pela Divindade.”— Georg Feuerstein

A palavra bhakti vem da raiz sânscrita bhaj, que significa “adorar”, “servir”, “compartilhar” ou “participar de Deus”. Por isso, o Bhakti Yoga é conhecido como o caminho da “união por meio do amor e da devoção”.


Assim como todas as outras formas de Yoga, ele conduz à auto-realização — mas o faz através do afeto, da entrega e do relacionamento íntimo com o sagrado.

“Bhakti é o Yoga de um relacionamento pessoal com Deus. No cerne de Bhakti está a rendição.”— Jai Uttal

Para David Frawley, o foco central desse caminho é a entrega interior:

“Bhakti Yoga é render-se ao Divino com seu Eu interior. Consiste em concentrar a mente, as emoções e os sentidos no Divino.”— David Frawley

No Bhakti Yoga, cada gesto, cada palavra e cada emoção se tornam uma oferenda. É um caminho de profunda sensibilidade, abertura e confiança — onde o amor se torna a própria via de retorno ao que somos essencialmente.


8. Jñāna Yoga


O Jñāna Yoga é o caminho do conhecimento verdadeiro — jñāna significa sabedoria, discernimento, o tipo de conhecimento que liberta.


Entre todas as formas de Yoga, esta é a que se dedica de maneira direta à investigação da natureza do Ser, sendo praticamente inseparável do caminho espiritual do Vedānta, a tradição hindu do não-dualismo.


A professora Glória Arieira, uma das principais referências do Vedānta no Brasil, explica:

“Vedānta é o conhecimento contido no final dos Vedas, os textos chamados Upanishads. Outros textos de Vedānta são a Bhagavad Gītā, o Brahma Sutra e os Prakaraṇagranthas — textos que exploram temas de estudo escritos por diferentes mestres ao longo do tempo. Vedānta analisa a natureza do Ser essencial através do seu método: escutar, do mestre, as palavras de ensinamento (śravaṇa); refletir sobre o que foi escutado (manana); e contemplar esse conhecimento (nididhyāsana). Em Vedānta, a meditação é concomitante ao estudo, e não tem função independente dele. Algumas meditações preparam a mente do estudante; outras são contemplações do Ser Absoluto.”— Glória Arieira

No Jñāna Yoga, busca-se remover a ignorância (avidyā) através do estudo, da lógica, da reflexão e da contemplação profunda. Trata-se de um caminho exigente, que requer maturidade emocional, disciplina mental e abertura para questionar crenças profundas.


O objetivo final é reconhecer aquilo que sempre esteve presente: a natureza ilimitada do próprio Ser — ātman.


Conclusão


Ao percorrermos a Roda do Yoga, percebemos como cada um desses caminhos — Rāja, Karma, Saṃnyāsa, Mantra, Haṭha, Kriyā, Bhakti e Jñāna — oferecem uma porta diferente para o mesmo objetivo: a libertação, o autoconhecimento, o retorno à nossa natureza essencial.


Embora cada via utilize métodos distintos — disciplina, devoção, estudo, ação, ritual, som ou corpo — todas elas apontam para o mesmo centro silencioso, o coração da tradição.


Esses caminhos formam a base filosófica do Yoga. Eles são as raízes profundas de uma árvore milenar que continua viva e em constante transformação.


E é justamente dessas raízes tradicionais que brotam, hoje, as práticas contemporâneas que encontramos nas escolas, estúdios e plataformas online do mundo inteiro.


Como vimos, o Yoga nunca deixou de se transformar. Ele atravessou séculos, culturas e mestres, adaptando-se às necessidades de cada época.


E se, na tradição, encontramos nomes como Rāja, Bhakti e Jñāna, nas grades das escolas de hoje vemos expressões como:


  • Hatha Flow

  • Vinyasa

  • Power Yoga

  • Ashtanga

  • Yin Yoga

  • Restaurativo

  • Hot Yoga

  • Kundalini Yoga moderno, e muitos outros.


Mas, apesar da diversidade de nomes, ritmos e estilos, todas essas modalidades são

expressões modernas do Haṭha Yoga — caminhos que usam o corpo, a respiração, a atenção e o movimento como instrumentos de transformação.


Na Parte II deste artigo, vamos explorar exatamente isso: as formas de Haṭha Yoga contemporâneo, suas diferenças, suas intenções e como cada uma delas pode apoiar o seu caminho pessoal.


Porque, no fim, não importa o caminho escolhido — importa apenas que ele leve você de volta para si.


Hariḥ Oṁ Patricia de Abreu


Referências Bibliográficas

A Tradição do Yoga | Georg Feuerstein

www.yoga.pro.br | Pedro Kupfer 

www.vedanet.com | David Frawley.

www.vidyamandir.org.br | Gloria Arieira 

As Origens do Haṭha Yoga | Flávia Venturoli Miranda 

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